ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, AGENTES E RESPONSABILIDADES: QUESTÕES DE GESTÃO PÚBLICA NA PAUTA DO STJ


Ao assumir a posição de gestor em qualquer das esferas da administração, o agente público precisa estar atento a uma série de leis, normas e princípios que devem orientar sua conduta ao realizar contratações, ordenar despesas e gerir as atividades administrativas como um todo.

Textos como a Lei de Licitações (Lei 8.666/93), a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) e os regimes de servidores, a exemplo do Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União (Lei 8.112/90), são alguns dos mais importantes para os administradores públicos, sejam agentes políticos, sejam servidores de áreas de gestão da União, estados ou municípios.

No contexto do controle judicial dos atos de gestão pública, uma parte considerável dos recursos julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) diz respeito a eventuais atos de improbidade dos administradores em procedimentos como licitações e na gestão financeira dos órgãos.

LICITAÇÕES

Fixada como exigência constitucional na Carta Magna de 1988, a licitação tem relação direta com princípios como os da indisponibilidade e da supremacia do interesse público. A Lei de Licitações – de observância obrigatória pela União, estados, Distrito Federal e municípios – regulamenta o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal, e estabelece as modalidades, fases e casos de dispensa ou inexigibilidade do procedimento licitatório.

“No âmbito das contratações pelo Poder Público, a regra é a subordinação do administrador ao princípio da licitação, decorrência, aliás, do artigo 37, XXI, da Constituição Federal. Tratando-se, portanto, a inexigibilidade de licitação de exceção legal, é certo que a sua adoção, pelo gestor público, deverá revestir-se de redobrada cautela, em ordem a que não sirva de subterfúgio à inobservância do certame licitatório”, destacou o ministro Sérgio Kukina em julgamento que manteve a condenação de servidores de Assis (SP) que realizaram contratação direta de empresa fora das hipóteses previstas em lei.

Os casos de dispensa indevida de licitação ou de fraude ao processo licitatório estão entre as principais hipóteses discutidas pelo STJ. Nesses casos, quando constatado o ato ilegal, o tribunal possui o entendimento de que há o chamado dano in re ipsa – ou seja, o dano presumido, que prescinde de comprovação.

“No que tange à possibilidade de imposição de ressarcimento ao erário, nos casos em que o dano decorrer da contratação irregular proveniente de fraude a processo licitatório, a jurisprudência desta corte de Justiça tem evoluído no sentido de considerar que o dano, em tais circunstâncias, é in re ipsa, na medida em que o poder público deixa de, por condutas de administradores, contratar a melhor proposta”, explicou o ministro Og Fernandes ao analisar ação civil pública que apontava fraude na contratação de empresa de assistência contábil em Fernandópolis (SP).

DOLO ESPECÍFICO

Na esfera penal, todavia, o STJ tem jurisprudência no sentido de que, para a configuração do crime de dispensa de licitação ou inexigibilidade fora das hipóteses previstas em lei, é indispensável a comprovação do dolo específico do agente em causar dano ao erário, assim como do prejuízo à administração pública.

O entendimento foi aplicado pela Sexta Turma ao examinar pedido de habeas corpus de ex-prefeito de Santa Cecília (SC) condenado a três anos de detenção, em regime aberto, por ter dispensado licitação para a compra de areia em hipótese não prevista pela Lei 8.666/93. A pena foi aplicada em razão do crime previsto no artigo 89 da Lei de Licitações.

O relator do pedido de habeas corpus, ministro Nefi Cordeiro, apontou que a condenação se baseou na natureza formal de crime de perigo abstrato e na suficiência de dolo genérico para a caracterização do delito descrito pela Lei de Licitações.

No entanto, para o ministro, o julgamento contrariou decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do STJ no sentido da necessidade de demonstração da vontade livre e consciente do agente dirigida para a não realização do ato licitatório, bem como da intenção do gestor de trazer prejuízos aos cofres públicos em virtude da dispensa do certame.

“No caso, assim como é da letra do aresto impugnado, não havendo comprovação da ocorrência de prejuízo ou de dolo de causar dano ao erário com as contratações realizadas, deve ser reconhecida a atipicidade da conduta”, concluiu o ministro ao anular a condenação.

IMPROBIDADE

Os esforços brasileiros para o combate à corrupção e aos desvios de administradores públicos tiveram um grande impulso com a entrada em vigor da Lei de Improbidade Administrativa, em 1992. Fruto de demandas sociais para a moralização do serviço público, a lei estabeleceu aspectos materiais e processuais para apuração de atos de improbidade e punição dos responsáveis, com a definição dos sujeitos ativos e passivos, penas aplicáveis e os procedimentos administrativos e judiciais cabíveis.

Nos artigos 9º, 10 e 11, a legislação especificou atos considerados ímprobos, a exemplo daqueles que geram enriquecimento ilícito, causam prejuízo ao erário e atentam contra os princípios da administração.

“Para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, caracterizar a presença do elemento subjetivo. A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé.”

A avaliação foi feita pelo ministro Herman Benjamin ao julgar recurso oriundo de ação civil pública proposta contra ex-presidente da Câmara Municipal de Novo Hamburgo (RS) que, segundo o Ministério Público, teria determinado licitação para a contratação de empresa para impressão das leis municipais em braile, mesmo havendo parecer contrário da assessoria jurídica.

Em virtude do valor apurado para contratação da empresa – cerca de R$ 78 mil –, a assessoria jurídica advertiu o então chefe da casa legislativa sobre a possibilidade de aquisição de uma impressora de documentos em braile por cerca de R$ 17 mil. Para o órgão de assessoramento, a alternativa geraria uma economia de R$ 61 mil ao erário sem que fosse afetado o objetivo de democratizar as informações legislativas. Mesmo assim, a licitação foi realizada.

PROPORÇÃO

Após sentença de primeiro grau que considerou improcedente o pedido de condenação por improbidade, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou o julgamento por entender que a conduta do ex-presidente da Câmara foi dolosa, com a configuração do ato de improbidade. Por isso, o tribunal gaúcho estabeleceu penas como o ressarcimento do dano ao erário, em valor equivalente a uma impressora em braile, além de multa civil e suspensão dos direitos políticos por cinco anos.

Em análise do recurso do ex-chefe do Legislativo municipal, o ministro Herman Benjamin destacou que, ainda que a intenção do administrador tenha sido boa – disponibilizar as leis às pessoas com dificuldades de leitura –, ficou demonstrado nos autos que a sua atitude feriu princípios constitucionais e gerou prejuízo ao erário. Em relação à dosimetria da pena, porém, o ministro entendeu que a avaliação da proporção entre o ato ímprobo e a sanção aplicada pode ser reavaliada pelo STJ em casos excepcionais.

“O caso presente se enquadra nessa excepcionalidade. Apesar de caracterizada a improbidade, a conduta única do réu não se reveste de lesividade intensa ao bem jurídico a justificar a suspensão dos direitos políticos por cinco anos, por ser pena excessiva, razão pela qual se deve suprimir tal sanção, mantidas as demais punições impostas na origem”, concluiu o ministro ao acolher parcialmente o recurso.

INSIGNIFICÂNCIA

Elementos de dolo, culpa e o princípio da insignificância também foram analisados pelo ministro Herman Benjamin em mandado de segurança impetrado por servidora demitida sob acusação de haver violado, entre outros, os incisos IX (valer-se de cargo público para obter proveito pessoal) e XVI (utilizar recursos públicos em atividades particulares) do artigo 117 da Lei 8.112/90.

De acordo com a comissão disciplinar, a servidora, como usuária do sistema Siafi, requisitou autorização para pagamento com irregularidades nos processos de concessão de auxílio financeiro a indígena e, sem seguida, enviou ordem bancária no valor de R$ 27 mil para liquidação sem assinatura do gestor financeiro. Ela também teria se apropriado indevidamente de celular pertencente à Fundação Nacional do Índio (Funai) e recebido ilegalmente diárias do órgão.

No mandado de segurança, a servidora demitida defendeu a aplicação do princípio da insignificância ao caso, tendo em vista o baixo potencial ofensivo de sua conduta. Também alegou que não tinha interesse em causar prejuízo ao erário e, além disso, a pena de demissão – e a consequente cassação de sua aposentadoria – seria desproporcional aos atos que lhe foram imputados.

O ministro Herman Benjamin destacou que, no caso analisado, o prejuízo ao erário era incontroverso e havia, se não o dolo, ao menos a culpa confessada pela própria ex-servidora. “Por via de consequência, ainda que se afastasse o dolo na conduta, permaneceria a culpa. Nesse contexto, a improbidade administrativa é evidente e o resultado jurídico é a aplicação da penalidade de demissão”, explicou.

Em relação à alegação de irrazoabilidade da sanção, o ministro lembrou que, entre as condutas imputadas à servidora, está a participação em concessão irregular de auxílio financeiro de R$ 27 mil.

“Nesse quadro, não se pode considerar irrisório o prejuízo causado e nem mesmo leve a gravidade da conduta”, apontou o ministro ao negar o pedido de suspensão da pena de demissão.



Adaptado pelo Blog Lukas Carvalho.




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog